Sobre o Ativismo
Battaglia Comunista
Este curto artigo publicado pela primeira vez em 1952 [1], lida com a questão do “ativismo” como uma “doença do movimento proletário” que exagera as “possibilidades dos fatores subjetivos da luta de classes” e que negligencia a preparação teórica, a qual ele afirma ser de fundamental importância devido à necessidade da expressão de consciência pelo “partido de classe, que é, em última análise, o fator determinante da transformação da crise burguesa na catástrofe revolucionária de toda a sociedade.” Além disso, afirma também que “[n]o partido, a consciência precede a ação, diferente do que ocorre nas massas e no nível do indivíduo.”
É necessário insistir na palavra. Exatamente como certas infecções sanguíneas, que causam uma grande gama de doenças, sem excluir aquelas que podem ser curadas no sanatório, o ativismo é uma doença do movimento proletário que exige tratamento contínuo.
O ativismo sempre afirma possuir a compreensão correta das circunstâncias da luta política, e que está “à altura da situação”, mas é incapaz de se engajar em uma avaliação realista das relações de força, exagerando imensamente as possibilidades dos fatores subjetivos da luta de classes.
É, portanto, natural que aqueles afetados pelo ativismo reajam a esta crítica acusando seus adversários de subestimarem os fatores subjetivos da luta de classes e de reduzirem o determinismo histórico àquele mecanismo automático que é, também, o alvo das costumeiras críticas burguesas do marxismo. É por isso que dissemos, no Ponto 2 da Parte IV de nossas “Teses Fundamentais do Partido”:
“(…) o modo de produção capitalista se expande e triunfa em todos os países, com seus aspectos técnicos e sociais, de um modo mais ou menos contínuo. As alternativas das forças de classe em luta estão, ao contrário, conectadas aos eventos da luta histórica geral, ao contraste que já existia quando a burguesia [começou a] dominar as classes feudais e pré-capitalistas, e ao processo político evolutivo das duas classes históricas rivais, a burguesia e o proletariado; sendo tal processo marcado por vitórias e derrotas, por erros de método tático e estratégico”.
Isto equivale a dizer que mantemos que o estágio da retomada do movimento dos trabalhadores revolucionários não coincide apenas com os impulsos das contradições do desenvolvimento material, econômico e social da sociedade burguesa, que pode experimentar períodos de crises extremamente sérias, de conflitos violentos, de colapso político, sem que o movimento proletário, em consequência, se radicalize e adote posições revolucionárias extremas. Isto é, não há mecanismo automático no campo das relações entre a economia capitalista e o partido proletário revolucionário.
Poderia ser o caso, como em nossa situação atual, que o mundo econômico e social da burguesia esteja repleto de oscilações que produzem conflitos violentos, mas sem que o partido revolucionário obtenha, em resultado, qualquer possibilidade de expandir sua atividade, sem que as massas sujeitadas à exploração mais atroz e a massacres fratricidas sejam capazes de desmascarar os agentes oportunistas, que implicaram seu destino nas disputas do imperialismo, sem a contrarrevolução afrouxar seu pulso de ferro na classe dominada, nas massas dos despossuídos.
Dizer que “[u]ma situação objetivamente revolucionária existe, mas o elemento subjetivo da luta de classes, o partido de classe, é deficiente”, é equivocado em todos os momentos do processo histórico; é uma afirmação descaradamente insignificante, um absurdo evidente.
É verdade, contudo, que em toda onda de luta, mesmo aqueles que representam a maior ameaça à existência do domínio burguês, mesmo quando parece que tudo (o maquinário estatal, a hierarquia social, o aparato político burguês, os sindicatos, o sistema de propaganda) chegou a um impasse e está caminhando para seu fim, sua destruição; a situação nunca será revolucionará, mas será, para todos os efeitos, contrarrevolucionária, se o partido de classe revolucionário estiver fraco, subdesenvolvido e instável teoricamente.
É suscetível que uma situação de profunda crise na sociedade burguesa leve a um momento de subversão revolucionária quando “os ‘de baixo’ não querem e os ‘de cima’ não podem continuar vivendo à moda antiga” (Lenin, Esquerdismo: A Doença Infantil do Comunismo, citação retirada da transcrição disponível no Marxists Internet Archive), isto é, quando a classe dominante não pode mais operar efetivamente seus mecanismos de repressão e quando “a maioria dos trabalhadores (…) compreend[er] a fundo a necessidade da revolução”.
Tal consciência por parte dos trabalhadores apenas pode ser expressa no partido de classe, que é, em última análise, o fator determinante da transformação da crise burguesa na catástrofe revolucionária de toda a sociedade.
Portanto é necessário, para se salvar a sociedade do mare-magnum em que ela caiu e para o qual a classe dominante é incapaz de oferecer qualquer ajuda, pois é incapaz de descobrir as novas formas apropriadas para libertar as forças produtivas e dirigi-las ao novo desenvolvimento, que deveria haver um órgão revolucionário coletivo de pensamento e ação que canalizará e iluminará a vontade subversiva das massas.
O desejo das massas de “não viver à moda antiga”, a vontade de lutar e o impulso de agir contra o inimigo de classe pressupõem, nas fileiras da vanguarda proletária que é invocada para desenvolver a função de guia das massas revolucionárias, a cristalização de uma teoria revolucionária sólida.
No partido, a consciência precede a ação, diferente do que ocorre nas massas e no nível do indivíduo.
E se, no entanto, alguém dissesse que isso não é nenhuma novidade, nada realmente moderno e perguntar se estamos procurando transformar o partido revolucionário em um pequeno círculo de estudiosos, de observadores teóricos da realidade social? Nunca. No Ponto 7 da Parte IV de nossas “Teses Fundamentais do Partido” de 1951 escrevemos:
“Embora pequeno em números e tendo apenas algumas conexões com as massas proletárias, podemos dizer que estamos envolvidos em nossa tarefa teórica de grande importância, o Partido, devido a nossa apreciação pela sua tarefa revolucionária no presente período, se recusa a se transformar em um círculo de pensadores em busca de novas verdades, de ‘renovadores’ que consideram insuficientes e rejeitam as verdades passadas”.
Nada poderia ser mais claro!
A transformação da crise burguesa em uma guerra de classes e uma revolução pressupõe o colapso objetivo da estrutura social e política do capitalismo. Mesmo assim, este colapso não é nem mesmo possível se a grande massa de trabalhadores não for ganha ou influenciada pela teoria revolucionária disseminada pelo partido, uma teoria que não é improvisada nas barricadas. Mas será esta teoria destilada em portas fechadas por esforços acadêmicos sem nenhuma conexão com as massas?
Contra essa acusação feita pelos fanáticos do ativismo, poder-se-ia responder corretamente que o trabalho assíduo empenhado em defesa do patrimônio doutrinal e crítico do movimento, as tarefas diárias de imunização do movimento contra os venenos do reformismo, a explicação sistemática, à luz do Marxismo, das mais recentes formas de organização do capitalismo, o desmascarar das tentativas do oportunismo de apresentar tais “inovações” como medidas anticapitalistas, etc., toda essa luta, a luta contra o nosso inimigo de classe, a luta pela educação da vanguarda revolucionária, é, se preferirem, uma luta ativa, mas que mesmo assim não é ativismo.
Vocês acreditam seriamente (enquanto a gigantesca máquina da burguesia está dedicada, dia e noite, não à refutação de teoria revolucionária — nota bene — , mas sim a demonstrar de que as demandas socialistas podem ser realizadas em simultânea oposição à Marx e Lenin, e quando não só partidos políticos, mas também governos estabelecidos juram que podem governar, isto é, oprimir as massas sob o nome do comunismo) que a tarefa árdua e exaustiva de restauração da crítica Marxista é uma tarefa apenas teórica?
Quem se atreveria a negar que isto é também um esforço político, uma luta ativa contra o inimigo de classe? Apenas aquele possuído pelos demônios da ação ativista poderia pensar algo do tipo.
Qualquer movimento mesmo que com pequenos números de membros que se dedica à libertação da teoria revolucionária de adulterações sem precedentes, de contaminações oportunistas — em jornais, em encontros e em discussões na fábrica — realiza uma tarefa revolucionária. Ele trabalha em nome da revolução proletária.
De forma alguma entendemos a tarefa do partido como uma “luta de ideias”.
Totalitarismo, capitalismo de Estado e a degeneração da revolução socialista na Rússia não são “ideias” às quais opomos nossas próprias: eles são fenômenos históricos reais, que evisceraram o movimento proletário ao levá-lo ao terreno traiçoeiro das formações antifascistas, dos ranques dos fascistas, das frentes nacionais e do pacifismo, etc.
Aqueles que, mesmo em baixo número e removidos dos holofotes da “grande política” [die große Politik], realizam uma interpretação marxista desses acontecimentos reais e um trabalho de confirmação das previsões marxistas (e nos parece que não existe nenhuma avaliação séria desses problemas fora das posições fundamentais defendidas em nosso jornal Prometeo, e em especial no estudo “Propriedade e Capital”), estão, seguramente realizando um serviço revolucionário, pois estão estabelecendo o itinerário e o ponto de partida para a revolução proletária.
A retomada do movimento revolucionário não requer uma potencial crise no sistema capitalista para sua realização. A crise no modo de produção capitalista já é uma realidade que a burguesia enfrentou em todos os estágios possíveis de sua carreira histórica. O capitalismo de Estado e o imperialismo marcam o limite extremo de sua evolução, mas as contradições fundamentais do sistema persistem e se tornam mais agudas. A crise do capitalismo não foi transformada em uma crise revolucionária da sociedade, em uma guerra de classes revolucionária, e a contrarrevolução ainda é vitoriosa apesar da piora do caos capitalista porque o movimento proletário ainda se encontra esmagado pelo peso das derrotas que sofreu nos últimos 30 anos devido aos erros estratégicos cometidos pelos Partidos Comunistas da III Internacional, erros que levaram o proletariado a considerar as armas da contrarrevolução como suas próprias armas.
A continuação do movimento revolucionário ainda está fora de vista porque a burguesia, implementando reformas profundas na organização da produção e do Estado (Capitalismo de Estado, Totalitarismo), proferiu um golpe estarrecedor, semeando a dúvida e a confusão, não contra os fundamentos da crítica e teoria marxista, que se mantém intactos e não afetados, mas sim à capacidade das vanguardas proletárias de aplicarem esses princípios marxistas exatamente na interpretação do estágio atual do desenvolvimento burguês.
Nessas condições de desorientação teórica, o trabalho da restauração do marxismo contra distorções oportunistas é apenas uma tarefa teórica?
Não, é uma luta ativa, substancial e dedicada contra o inimigo de classe.
O ativismo ostentoso procura fazer as engrenagens da história girarem como se em uma valsa, balançando o seu derrière [2] no ritmo da sinfonia do eleitoralismo. É uma doença infantil do comunismo, uma que se espalha maravilhosamente nos sanatórios da política, aonde os aposentados do movimento proletário vão para morrer.
Requiescant in pace [3]… e então, quase que magicamente, os ativistas se mobilizam como uma divisão blindada assim que são enviados para a conquista de nosso núcleo de grupos nas fábricas (uma calculadora eletrônica não é necessária para contar os nossos membros). Eles afirmam que esses patos e galinhas, os blocos imperialistas, são idênticos, em peso, forma e cor, e que possuem forças iguais. Com este sofismo os ativistas esgotam a sua análise extremamente fluida, a qual também negam que qualquer outro seja capaz de realizar; e então, finalmente, aceitam a tentação mortal que as cadeiras confortáveis do parlamento (ou de algum outro ministério governamental) exercem sobre as suas velhas traseiras…
Todos os salmos ativistas acabam em glórias eleitorais. Em 1917, observamos a sórdida conclusão da hiperatividade da social democracia: após décadas de atividade dedicada à conquista de cadeiras parlamentares, de comissões de sindicatos plurais, de influência política, eles estavam cobertos de uma aura de ativismo sem igual.
Quando chegou a hora da insurreição armada contra o capitalismo, no entanto, ficou claro que o único partido que estava pronto em se engajar com tal insurreição era o partido com menos experiência “trabalhando com a massa” durante os anos de preparação, aquele que, mais do que qualquer outro, trabalhou para preservar a teoria marxista. Ficou claro assim que apenas aqueles que possuem um treinamento teórico sólido acabam por marchar contra o inimigo da classe, enquanto aqueles que usufruíram do seu patrimônio “glorioso” de lutas engoliram vergonhosamente suas palavras e mudaram para o lado do inimigo.
Assim, estamos familiarizados com os fanáticos do ativismo. Comparado com eles animadores de circo são cavalheiros. É por isso que defendemos que a única forma de se manter livre de sua doença contagiosa é com o clássico chute na bunda.
Nápoles, 1952
[1] — Publicado originalmente em Italiano no jornal Battaglia Comunista, №7, 1952 como “Dizionarietto dei chiodi revisionisti: Attivismo,” Part II.
[2] — Passo de valsa realizado com o trabalhado encerrado no pé traseiro. (Nota do tradutor)
[3] — “Repouse em paz”, epitáfio comum em lápides. (Nota do tradutor)