França: O grande medo é que a classe trabalhadora se movimente
Partido Comunista Internacional
O movimento dos “coletes amarelos” começou na França no começo de outubro. O protesto se desencadeou por causa do aumento dos preços dos combustíveis, em parte graças ao aumento do imposto sobre derivados do petróleo. Mas os protestos se tornaram uma válvula de escape para toda a insatisfação de parte da população com as medidas sociais e econômicas implementadas pelo governo de Macron e seus antecessores. Um grande número de manifestantes mora onde o uso do automóvel é uma necessidade e, portanto, o aumento contínuo no preço da gasolina os priva de parte de sua renda, e às vezes dramaticamente para os mais pobres. De fato, em um ano o preço na bomba aumentou em 23% para o diesel e 15% para a gasolina.
Mas a crise econômica, bem como a redução no crescimento, afeta o mundo capitalista como um todo. A classe dominante das nações está entrando cada vez mais em conflito. Trump, um típico homem de negócios, é o bobo da corte, proclamando em voz alta o que todos os líderes mundiais pensam em suas cabeças: guerra econômica, competição exacerbada e crescente, isolacionismo. Isto é um escândalo para alguns, mas seu único questionamento ético é sobre como conduzir os negócios e tomar posse de setores cada vez maiores do mercado mundial, que está cada vez mais dividido.
Na França, o governo explica que sua política econômica e os “presentes” dados aos cidadãos mais ricos têm a intenção de reviver os negócios num contexto de crise econômica no qual a burguesia hesita em investir. O aumento no preço da gasolina foi justificado pela necessidade de se financiar uma política de transição energética iniciada em 2015. Não se passa um dia sem que a mídia reintroduza a triste degradação do planeta, prevendo um efeito irreversível, e até mesmo catastrófico, para a sobrevivência da humanidade dentro de uma década.
Mas é verdade que as classes dominantes estão preocupadas com o futuro da Terra e estão tentando evitar a degradação desastrosa e até mesmo irreversível causada pelo modo de produção capitalista? Ou não é uma questão de se retirar dinheiro da maior parte da população, mesmo que com dificuldade, para encher os cofres do Estado, e especialmente aqueles das empresas e da parte cada vez mais restrita dos cidadãos que acumulam a vasta maioria da riqueza.
O marxismo sempre disse que o Estado burguês está a serviço da classe dominante. As decisões do governo não dependem apenas da boa vontade e das capacidades da classe dominante, que controla os meios de produção. É o mecanismo econômico implacável do modo de produção capitalista ao qual ele serve. Para sobreviver, deve sempre aumentar os lucros, especialmente quando a taxa de lucro cai, o que é incontrolável e incontrolável até mesmo pelos indivíduos mais poderosos, conforme o marxismo diz há mais de um século.
O movimento atual na França é espontâneo e nasceu fora dos partidos políticos e sindicatos oficiais que são considerados “ineficientes” pelos rebeldes. Em comparação, o movimento das “boinas vermelhas”, que surgiu na Bretanha em outubro de 2013 em resposta ao imposto ambiental sobre a poluição causada por veículos, foi provocado pelos donos de empresas de alimentos agrícolas em dificuldades econômicas e foi apoiado por seus funcionários.
O movimento dos coletes amarelo, ao contrário, surgiu da inciativa de um motorista que lançou uma convocação à mobilização nas redes sociais, reivindicando uma diminuição nos preços. A convocação apareceu num artigo de um jornal popular, o Le Parisien, na edição de 12 de outubro de 2018, e então encontrou grande sucesso na coleta de assinaturas (mais de um milhão até o fim de novembro). Grupos locais foram criados no Facebook por toda a França.
Em resposta, o governo Macron está lançando uma campanha para lutar contra a poluição do ar poucos dias antes do bloqueio anunciado da rede de estradas nacionais, que ocorreu no sábado, 19 de novembro. Bloqueios ocorreram nas imediações de Paris, mas a repressão das forças policiais limitou a entrada dos manifestantes. O Ministério do Interior relatou o número de 288 mil manifestantes para toda a França.
Os bloqueios continuaram no resto da semana seguinte e houve uns poucos episódios de violência. O movimento se estendeu até a Ilha Reunião no Oceano Índico. Nos dias seguintes, a mobilização continuou com reuniões numerosas por toda a França.
Uma nova mobilização e manifestações nacionais foram chamadas para sábado, dia 24 de novembro. O governo parisiense baniu manifestações no Champs Elysée, mas estas ocorreram mesmo assim, com confrontos com a polícia. O Ministério do Interior finalmente forneceu o número de 166 mil manifestantes para toda a França, dos quais 5000 estavam no Champs Elysée.
Eventos e confrontos ocorreram nos dias seguintes em muitas regiões. No sábado, 1º de outubro, houve bloqueios no país, às vezes levando a violentos conflitos com agências de execução da lei. Em Paris, as manifestações no Champs Elysée retornaram com violência. Manifestantes também picharam o Arco do Triunfo (na tumba do soldado desconhecido!!), incendiaram carros e saquearam lojas. O Ministério do Interior estimou 136 mil manifestantes em toda a França. Conflitos também ocorreram em outras cidades.
Em 3 de dezembro, estudantes de aproximadamente 100 escolas de ensino médio protestaram contra a reforma planejada do ensino médio, o aumento das mensalidades para estrangeiros e se juntaram aos coletes amarelos.
Mas quem está participando do movimento? Principalmente aqueles que moram nas cidades ao redor de Paris e das zonas rurais que sofrem com o abandono das autoridades públicas (corte de serviços e o abandono das administrações). Estão inclusos no movimento trabalhadores industriais, trabalhadores que são mais mal tratados e independentes, pensionistas e pequenos chefes. Eles estão unidos pela insatisfação com a queda de sua renda e, para o proletariado, pelo sofrimento causado pelas suas condições de vida e trabalho.
Uma crise econômica balança o capitalismo destas últimas décadas. As políticas neoliberais conduzidas por diversos governos, tanto de direita quanto de esquerda, existem para defender os interesses e os privilégios de classe da grande burguesia. Estas políticas levaram ao empobrecimento e precariedade da população francesa. De acordo com dados maias antigos, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, 14,5% da população vive abaixo da linha da pobreza com menos de 850 Euros por mês. Em 2018, a renda familiar média na França teve uma redução de 1,2% se comparada a 2008, particularmente para 67% das classes médias. Mas mesmo os setores mais modestos sofreram uma queda na renda. Pelo menos 20% dos assalariados se encontram pobres e em trabalhos precários e muitos pensionistas vivem com aposentadorias miseráveis. Pelo menos um terço da população está sofrendo. Isto explica a violência e a raiva.
Até agora, essas condições e desconfiança dos partidos oficiais resultaram apenas em abstenções em massa. A abstenção é hoje o maior partido político da classe trabalhadora. “Pra que ir votar se as reformas sociais e econômicas ainda serão um ataque contra nós?” Os sindicatos do regime, após repetidas traições, foram deixados de lado pelo movimento.
Claro, a extrema direita e grupos anarquistas “autônomos” se infiltraram no movimento e estão encontrando espaço adequado para extravasar a sua raiva por qualquer motivo. Mas esses movimentos, como era de se esperar, apenas servem para justificar a política repressiva do governo.
Mas a violência também é conduzida pelo “povo”, aqueles que estão desesperados e abandonados pelo poder. Esse “povo” entende que diálogo e discussões não servem mais para expressar suas demandas e que a violência da opressão burguesa deve ser respondida com violência. O que o governo diz quando o “povo” se rebela? A única justificativa para o aumento dos impostos é para financiar uma transição ecológica! E ninguém acredita!
Os sindicatos principais se recusam a participar do movimento e estão acusando-o de ser fruto de partidos da extrema direita. Na FO, apenas o setor de transportes defendeu a solidariedade com os coletes amarelos. O CFDT recentemente propôs servir como um negociador com o governo; se até agora afirmavam não precisar de sindicatos, os chefes e o governo hoje reconhecem a sua utilidade! Não há bombeiro melhor para apagar o fogo da luta de classes do que as grandes confederações sindicais!
Para concluir, classificamos os Coletes Amarelos como um movimento popular! Termo derivado da palavra “povo” que definimos precisamente em nosso artigo Diálogo com Stalin (1952, Segundo Dia: Sociedade e Pátria): “O povo, mas o que seria isto? Uma mistura de classes diferentes, uma ‘junção integral’ de expropriadores e escravos, de políticos e burgueses e as massas oprimidas e famintas. Desde antes de 1848 deixamos para trás o uso desta palavra, assim como a sua associação com a democracia, liberdade, pacifismo e progresso. Com as suas ‘maiorias’, o povo não é sujeito da gestão econômica, mas sim objeto de expropriação e fraude”.
A retomada da luta de classes, após tanto anos de contrarrevolução, traição e desorganização passa necessariamente por movimentos espontâneos descolados de qualquer organização, já que tudo precisa ser reconstruído. É apenas com a generalização dessas lutas espontâneas e radicais do proletariado que as organizações de classe renascerão e que a vanguarda do proletariado se distinguirá e se juntará às fileiras do partido.
Sob as condições atuais certamente não leva muito tempo para uma greve estourar. Os sindicatos, como bons cães de guarda, estão atentos. Até que a crise de sobreprodução piore tanto que estes se vejam completamente esmagados.
O proletariado obviamente participa do movimento dos Coletes Amarelas, mas não enquanto uma classe-para-si. Não está organizado por um partido ou uma organização econômica, que o representa nesta sociedade presa ao capitalismo e à exploração do homem pelo homem. A luta de classes não se apresenta de maneira direta e o proletariado assim não pode esperar nada mais do que traições, desilusão e repressão. Não há salvação sem as organizações econômicas e políticas! Quando as organizações econômicas renascerem fora dos sindicatos atuais e forem guiadas pelo Partido Comunista Internacional, então a luta de classes se mostrará abertamente!