A Devastação da Natureza
Anton Pannekoek[1]
Há numerosas reclamações na literatura científica sobre a crescente devastação de florestas. Mas não é só o carinho que todo amante da natureza tem pelas florestas que deve ser levado em consideração. Há também interesses materiais importantes, aliás, interesses vitais da humanidade. Com o desaparecimento das florestas abundantes, países conhecidos na Antiguidade por sua fertilidade, que eram densamente povoados e famosos como celeiros para as grandes cidades, se tornaram desertos de pedra. Raramente chove, exceto como tempestades diluvianas que levam embora a camada de húmus que a chuva deveria fertilizar. Onde as florestas de montanha foram destruídas, enxurradas alimentadas pelas chuvas de verão fazem com que enormes massas de pedra e areia rolem abaixo, entupindo os Alpes, derrubando florestas e devastando vilarejos cujos habitantes são inocentes, “porque o interesse individual e a ignorância destruíram a floresta e as nascentes no alto vale”.
Os autores insistem veementemente no interesse pessoal e na ignorância em sua descrição eloquente dessa situação deplorável mas não investigam suas causas. Provavelmente acham que enfatizar as consequências é suficiente para substituir a ignorância por uma melhor compreensão e reverter os efeitos. Não veem que isso é apenas uma parte do fenômeno, um dos numerosos efeitos similares que o capitalismo, esse modo de produção que é a fase superior da busca ao lucro, tem na natureza.
Por que a França é um país com poucas florestas que precisa importar todo ano centenas de milhões de francos em madeira do exterior e gasta muito mais para restaurar, através da reflorestação, as consequências desastrosas do desmatamento dos Alpes? No Antigo Regime, havia muitas reservas florestais. Mas a burguesia, que tomou a direção da Revolução Francesa, viu nestas somente um instrumento para o enriquecimento privado. Especuladores derrubaram 3 milhões de hectares para transformar madeira em ouro. Não pensaram no futuro, apenas no lucro imediato.
Para o capitalismo, todos os recursos não são nada senão ouro. Quanto mais rápido os explora, tanto mais acelera o fluxo de ouro. A economia privada resulta em cada indivíduo tentando lucrar o máximo possível sem sequer pensar em momento algum no interesse geral, o da humanidade. Consequentemente, todo animal selvagem com um valor monetário e toda planta selvagem que dá lucro é imediatamente objeto de uma corrida pelo extermínio. Os elefantes da África quase desapareceram, vítimas da caçada sistemática pelo seu marfim. É parecido com as seringueiras, que são as vítimas de uma economia predatória na qual todos apenas destroem-nas sem replantá-las. Observou-se na Sibéria que animais peludos estão se tornando mais raros por causa da intensa caça e que as espécies mais valiosas podem desaparecer em breve. No Canadá, matas virgens vastas foram reduzidas a cinzas, não só por colonizadores que querem cultivar o solo, mas também por “garimpeiros” procurando por depósitos de minério que transformam encostas de serras em pedra para ter uma visão melhor do chão. Na Nova Guiné, um massacre de aves-do-paraíso foi organizado para satisfazer os caros caprichos de uma bilionária americana. A loucura da moda, típica de um capitalismo gastando mais-valor, já levou à exterminação de espécies raras; aves marinhas da costa leste dos Estados Unidos só devem sua sobrevivência à intervenção estrita do Estado. Esses exemplos podem ser multiplicados à vontade.
Mas as plantas e os animais lá não são usados por humanos para seus próprios propósitos? Aqui, deixamos completamente de lado a questão da preservação da natureza como ela seria sem a intervenção humana. Sabemos que os seres humanos são os senhores da Terra e que eles transformam a natureza completamente para satisfazer suas necessidades. Dependemos totalmente das forças da natureza e dos recursos naturais para vivermos; temos que usá-los e consumi-los. Essa não é a questão aqui, apenas a maneira que o capitalismo os utiliza.
Uma ordem social racional terá que usar os recursos naturais disponíveis de maneira tal que o que é consumido é substituído ao mesmo tempo, de modo que a sociedade não se empobreça e possa enriquecer. Uma economia fechada que consome parte de suas sementes se empobrece cada vez mais e deve, inevitavelmente, fracassar. Mas é assim que o capitalismo age. Essa é uma economia que não pensa no futuro, mas vive somente no presente imediato. Na ordem econômica atual, a natureza não serve à humanidade, mas ao capital. Não são as necessidades de vestuário, alimentação ou culturais da humanidade que governam a produção, mas o apetite do capital por lucro, por ouro.
Os recursos naturais são explorados como se as reservas fossem infinitas e inesgotáveis. As consequências danosas do desmatamento para a agricultura e a devastação de animais e plantas úteis expõem o caráter finito das reservas disponíveis e o fracasso desse tipo de economia. Roosevelt reconhece esse fracasso quando quer convocar uma conferência internacional para analisar o estado dos recursos naturais ainda disponíveis e adotar medidas para impedir que eles sejam desperdiçados.
É claro que o plano em si é uma fraude. O Estado não poderia fazer muita coisa para parar o impiedoso extermínio de espécies raras. Mas o Estado capitalista é, no fim, um pobre representante do bem da humanidade. Deve parar frente aos interesses essenciais do capital.
O capitalismo é uma economia descabeçada que não pode regular seus atos por uma compreensão de suas consequências. Mas seu caráter devastador não se deve somente a isso. Durante os séculos, os seres humanos também exploraram a natureza de maneira tola, sem pensar no futuro da humanidade como um todo. Mas seu poderio era limitado. A natureza era tão vasta e poderosa que com seus meios técnicos modestos os humanos só podiam danificá-la de maneira excepcional. O capitalismo, pelo contrário, substituiu as necessidades locais pelas necessidades mundiais, e criou técnicas modernas para explorar a natureza. Então agora é uma questão de massas enormes de matéria sendo sujeitadas a meios colossais de extermínio e removidas por meios de transporte poderosos. A sociedade sob o capitalismo pode ser comparada a um corpo gigante e pouco inteligente; enquanto o capitalismo desenvolve sua força sem limites, ele está ao mesmo tempo e insensatamente devastando mais e mais o ambiente do qual vive. Apenas o socialismo, que pode dar consciência e ação racionalizada a este corpo, substituirá ao mesmo tempo a devastação da natureza por uma economia racional.
[1] Traduzido da versão em inglês, publicada em: https://tinyurl.com/y3u9gspm. O original alemão é: Naturverwüstung — in Zeitungskorrespondenz, nº 75, 10 de julho de 1909, disponível em https://tinyurl.com/y23yytje.